domingo, 7 de fevereiro de 2010

Por Vitor Caruso Jr.
Fotos: Robert Schwenck e Liliane Gomes




Você tem ideia da dificuldade que é escrever algo sobre outra pessoa? Pense nisso... Pense se você tivesse que escrever um livro sobre algum amigo. Detalhes que não podem faltar, boas ações, o que outros amigos acham etc. Viu? Já começa a parecer bastante trabalho, não é? Agora imagine que este seu amigo é poeta, ou seja, alguém com bastante habilidade, criatividade e domínio de um uso rico da língua portuguesa. Opa! A situação fica ainda mais complicada. Continuemos nosso exercício. Imagine que esta pessoa é um dos maiores escritores do Brasil, membro da Academia do Rio Grande do Norte de Letras, e tem entre seus leitores até o mais famoso escritor do País, Paulo Coelho. Imagine que este seu amigo foi também reconhecido como de profundo valor espiritual até por Chico Xavier, o maior médium que a humanidade conheceu, e que sabia de memória textos seus, ou mesmo por Leonardo Boff, um dos mais respeitados teólogos da Igreja, ganhador de um Nobel Alternativo pelos seus trabalhos.

Ainda sendo mais específico, imagine que este seu amigo não tenha na poesia e literatura sua principal área de atuação, mas sim na área da saúde, e que por isso já tenha sido convidado até pelo dr. Dean Ornish, um dos maiores expoentes da medicina preventiva do mundo, para falar em seus seminários. Ainda mais específico? Imagine que entre as possibilidades de trabalho na área da saúde, seu amigo tenha escolhido especializar-se no Yoga, e seu trabalho seja reconhecido entre alguns dos yogis mais famosos que se conhece, como Sivananda, Gopi Krishna ou Dharma Mittra.

Mas confesso a você que tudo isso é pouco perto do que vou contar agora. Pois penso o quanto é difícil escrever sobre uma pessoa que sempre deixa uma marca profunda na vida dos outros. Eu participava de um programa de entrevistas na TV Educativa. Os temas eram a violência urbana e o descontrole emocional. Outro entrevistado, um terapeuta, me chamou a atenção por evitar posições extremas e de confronto. Ao final, presenteei os parceiros de programa com alguns de meus livros. Este terapeuta se aproximou e disse: “Você conhece o Professor Hermógenes?” Respondi que sim, pelos livros. “Que pessoa que ele é, nunca vou me esquecer dele, o quão especial ele foi, é e sempre será. Meu pai foi seu aluno por muitos anos e, certa vez, quando o Professor veio a Curitiba para algumas palestras durante um fim de semana, meu pai faleceu. Hermógenes mandou me chamar, pois estava junto à minha família quando recebi o recado. Fui
até ele. O Professordoou todo o dinheiro arrecadado com as palestras para que eu pagasse as despesas com a morte de meu pai. Nunca vou me esquecer disso.”

Confesso que contive as lágrimas, que depois escorreram. Este é apenas um das centenas de depoimentos que tenho recebido de quem teve contato com o trabalho ou a obra do “Professor”.
A maior parte dos depoimentos refere-se a profundas transformações pessoais, curas e descobertas espirituais. O “Professor” não gosta e não aceita os títulos de mestre ou guru, mas qualquer um que tenha acumulado o número de cartas que recebeu, documentadas em livros como Saúde Plena com Yogaterapia ou Yoga para Nervosos ou Superação, seria facilmente assim
intitulado. Em março de 2010, ele, o “Professor”, completará 89 anos e pretendemos neste mesmo ano publicar o livro que conta a história de sua vida e de sua busca espiritual.

Em primeiríssima mão, presenteamos você com o primeiro capítulo desta história. Peço que escreva dando a sua opinião. Desde já, agradeço.


BIOGRAFIA DO PROF. HERMÓGENES
CAPÍTULO I – O PONTO DE MUTAÇÃO

Era o ano de 1955, muito diferente dos dias de hoje. A capital do Brasil era o Rio de Janeiro, Brasil que não havia ganho nenhuma Copa do Mundo de Futebol e não tinha ainda nenhum computador pessoal. Um transporte comum na cidade era o bondinho, e uma novidade recente era a TV, em preto e branco. Neste ano, um militar, capitão do exército, já iniciava seus passos como professor. Não tinha uma vida muito fácil. Vendia seguros, ministrava aulas junto com sua esposa, na garagem, em um cursinho para crianças entre 10 e 11 anos, mas principalmente, era professor de Filosofia e História no Colégio Militar do Rio.

Este capitão do exército tinha 35 anosnessa época, casado com Ione Maria, e duas filhas, Ana Lúcia e Ana Cristina. Tinha o apelido de infância de Cazuza, para a família, e Guiné, para a turma da rua, mas seu nome de batismo é José Hermógenes de Andrade Filho. As pressões da vida familiar, da agenda e alguns maus hábitos adquiridos no convívio social, como, por exemplo, fumar, faziam parte de sua rotina. Essas tensões e pressões do cotidiano acabaram por lhe fazer distrair-se de seus próprios cuidados, e não prestar atenção em como seguia com sua vida. Como ele mesmo relata: “Aos 35 anos vime, inesperadamente, tuberculoso. Quando um tardio diagnóstico foi estabelecido, o estrago já era muito grande: os pulmões, na radiografia, pareciam colméias, cheios de furos, e a garganta já com as cordas vocais soldadas – fiquei quase totalmente afônico. A energia e a alegria de viver quase haviam sumido; um desânimo pesado e uma fadiga desmoralizante se acentuavam e me abatia ao final de cada tarde”.

O Dr. Afonso MacDowell, que cuidava do tratamento, não conseguiu esconder sua preocupação, mas ao transmitir seu diagnóstico, se deparou com uma disposição e interesse de seu paciente,
manifestados na expressão: “Vou bater o recorde de cura”. O tratamento consistia em: pneumotórax, quimioterapia, repouso e muita alimentação. Explicando melhor, o até então válido pneumotórax significa a introdução de ar no espaço pleural. A pleura é uma membrana fina que reveste os pulmões e a parede interna da caixa torácica. O pneumotórax era indicado para o nível de comprometimento que o Capitão Hermógenes atingira. O repouso necessário foi possível graças às bênçãos e amizades do Coronel Newton O’Reilly e do Major Cid Pacheco, que assumiram a responsabilidade de cuidar das turmas do Colégio Militar. Foram praticamente três anos de tratamento, em que o tempo era preenchido com leituras, relaxamentos, autoanálises,
reflexões, meditações, autossugestões, preces, vivências espirituais e também muito alimento. O repouso era seriamente vigiado. Uma das lembranças de Ana Lúcia, a filha mais velha, era tentar aproximar-se do papai para abraçá-lo ou brincar, mas sempre era impedida, pois ele precisava descansar de forma mais completa. Então, veio a notícia da necessidade de uma cirurgia para remoção de aderências que dificultavam a aplicação do pneumotórax. Cirurgia no pulmão direito, feita com duas incisões nos intercostais (músculos entre uma costela e outra), onde penetrariam duas sondas, uma para cauterizar, outra para visualizar o trabalho. A má notícia é que a anestesia só podia ser na incisão, mas lá dentro do corte não, pois a anestesia é inflamável, e no processo de cauterização isso poderia acarretar um sério acidente. Ou seja, a dor lá dentro seria sentida.

“O paciente foi deitado sobre o lado esquerdo, conservando o braço direito erguido e apoiado num anteparo acima de sua cabeça, a qual ficou coberta por um pano. Foi-lhe recomendado que mantivesse imobilidade perfeita, pois a operação exigia muita precisão, e qualquer movimento poderia levar o bisturi a cortar o que não deveria ser cortado. O único movimento possível seria fechar a mão e poderia gemer, mas discretamente. Embora o corte do bisturi no músculo não fosse sentido, a penetração das duas sondas para o interior do tórax foi bastante dolorosa. O paciente conseguiu controlar-se. As dores internas – bisturi cortando e cautério queimando – foram terríveis, mas a imobilidade mantida – a que custo! Embora o médico tivesse prometido terminar em poucos instantes, o paciente sentia os minutos como se fossem séculos. Após quase uma hora, interjeições escaparam da boca do médico, que já não podia disfarçar compaixão e apreensão.”

Depois de terminada a cirurgia, a recuperação foi feita em sua residência. Hermógenes lembra-se bem de ser fevereiro, muito calor no Rio de Janeiro, e as músicas de carnaval nas ruas. Na tentativa de aliviar o calor, uma esteira de palha foi providenciada, porém a poeira foi tal que os espirros foram inevitáveis. Espirrar ampliava a dor da incisão nas intercostais, e uma gripe se instalou no mesmo dia. No outro dia, gripado, começou a perceber uma significativa diferença na altura dos ombros. Correu para o médico, que, após a radiografia, identificou: pleurisia. Explicando: pleurisia é uma inflamação das pleuras pulmonares, que pode acarretar um aumento de líquido pulmonar, derrame pulmonar, quadro este que pode ocorrer devido a uma tuberculose.

Esses dois obstáculos, a gripe e a pleurisia, levaram um mês para uma completa solução, e só aí, então, é que o tratamento de pneumotórax poderia retornar. Esta aplicação foi peculiar. A primeira agulhada foi seguida pela expressão de contrariedade do médico, que tentou outra, e mais outras vezes. O sangue fazia sua vermelha presença, e então o médico expressou-se: “Sabe por que lhe dei tantas furadas? Porque não acreditei que, a esta altura, já estivesse curado. E está
curado mesmo!” E continuou a expressar estranheza: “Não era ainda tempo para você ficar bom. O que terá acontecido? Só encontro uma explicação possível. Foi provavelmente o líquido da pleurisia que ajudou a sarar a ferida no pulmão. Não consigo entender de outra maneira”. Este acontecimento reforçou algo que seria uma das características dos estudos e ensinamentos de Hermógenes:

Tranquilize-se em Deus. Entregue-se incondicionalmente a Deus, Deus proverá.

O acontecimento confirmava e reforçava alguns dos estudos de Hermógenes, os estudos feitos durante todo o período de convalescença, os ensinamentos da Bhagavad Gita, as orientações de Yoga de Krishna para Arjuna. Principalmente as orientações ligadas à importância da fé. Este foi o ponto de mutação da vida deste homem, que o transformou de um simples Capitão do Colégio Militar em um ser de fé.


Vitor Caruso Jr. é autor de diversos livros e comanda, em Curitiba, o Ciência Meditativa.
www.cienciameditativa.com

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